O planeta está chegando num ponto cada vez mais crítico, observando-se que não pode ser mantida a lógica prevalecente de aumento constante do consumo. Já se verificam os seus impactos no plano ecológico global.
Sabemos que se trata de um tema muito complexo, pois as possibilidades de fixar limites são politicamente problemáticas, em qualquer parte do planeta.
Será que estamos numa encruzilhada? O caminho existente é mais do que problemático em termos ecológicos, quase sem saída pelos métodos convencionais. A exploração crescente dos recursos naturais dessa maneira coloca em risco as condições físicas de vida na Terra, na medida em que a economia capitalista exige um nível e tipo de produção e consumo que são ambientalmente insustentáveis.
O que significa, portanto, promover uma política de consumo sustentável que leve em conta três eixos - a realidade dos limites ecológicos da Terra, de um lado, e de outro, que promova justiça social e seja politicamente viável?
Nos últimos anos, houve alguns avanços na forma de pensar e agir. O grande desafio é de influenciar e modificar o pensamento das pessoas em relação ao consumo.
Como diz Fátima Portilho em seu livro, precisamos analizar os hábitos de consumo, o estilo de vida e os desafios de avançar rumo a uma sociedade sustentável. Ao Falar sobre o tema do consumo e da sustentabilidade, como alternativa a uma lógica convencional, reconhece-se acima de tudo os limites do planeta Terra.
A idéia de um consumo verde ocorre como resultado de uma conjunção de três fatores, que por se inter-relacionarem geram condições propícias para sua emergência. Portilho mostra que o advento, a partir da década de 70, do ambientalismo público; a ambientalização do setor empresarial, a partir da década de 80; e a emergência, a partir da década de 90, da preocupação com o impacto ambiental de estilos de vida e consumo das sociedades afluentes são fatores propulsores deste processo. A partir da combinação de fatores, um conjunto de atores relevantes se agregam ao processo de incluir cada vez mais atores e de estimular a co-responsabilidade dos indivíduos comuns, dadas as características das suas práticas cotidianas para atenuar ou agravar a crise ambiental. Assim, começam a se multiplicar e disseminar práticas individuais conscientes, bem informadas e preocupadas com a problemática ambiental. O termo sociedade sustentável começa a assumir uma visibilidade, e amplia o espectro de atores que consideram que suas ações passam a fazer parte de um repertório compartilhado por aqueles que vêem na mudança de comportamentos e escolhas a possibilidade de interferir na qualidade do meio ambiente.
O consumidor verde se multiplica, um indivíduo que prioriza produtos que levam em conta a dimensão ambiental. Mas como bem adverte a autora, o consumo verde não ataca toda a equação, enfatizando a tecnologia, mas deixa de lado os processos de produção e distribuição, além da cultura do consumo propriamente dita. Assim, uma leitura das análises realizadas por diversos autores mostra que as propostas de consumo verde são pautadas por uma visão bastante voluntarista sobre seus limites, colocando nas mãos dos cidadãos a responsabilidade pelas mudanças, através do que Portilho define como "transferências da atividade regulatória em dois aspectos: do Estado para o mercado, através de mecanismos de auto-regulação, e do Estado e do mercado para o cidadão, através de suas escolhas de consumo". Isto implica, portanto, que governos e empresas transferem a responsabilidade para os indivíduos, sendo que o que as pesquisas mostram é uma ainda limitada incorporação pelos indivíduos, inclusive nos países europeus, considerados como fortes impulsionadores destas transformações nas dinâmicas de consumo, e que o simples acesso a conhecimentos relacionados à questão ambiental não leva a estilos de vida e práticas ambientalmente corretas.
Inserindo esta reflexão dentro do referencial teórico da Sociedade de Risco, desenvolvido por Beck (1992), o tema do consumo sustentável introduz principalmente a politização dos problemas e a compreensão das interdependências entre as escalas micro de inserção dos indivíduos e a escala de problemas gerados no contexto global. Ao se enfatizar o conceito de consumo sustentável, segmentos mais conscientes dos desequilíbrios em curso destacam a insustentabilidade crescente dos padrões de produção e consumo da economia mundial, destacando as diferenças entre países ricos e pobres, com suas relações interdependentes de comércio global. Deve-se ainda enfatizar o que diversos estudos de organizações ambientalistas recorrentemente apresentam como sendo padrões de consumo insustentáveis por excelência, injustos socialmente e predatórios ao meio ambiente. A pegada ecológica - pressão exercida pelos consumidores médios nos ecossistemas naturais dos países mais industrializados - é quatro vezes maior que o dos países de menor renda. A insustentabilidade dos diversos processos produtivos tem gerado um conjunto de ações que seguem, basicamente, as diretrizes da Agenda 21, reforçando diretrizes que buscam reduzir os impactos de processos que têm contribuído para o processo de depleção e perda dos recursos naturais não renováveis do planeta.
O consumo sustentável implica necessariamente numa politização do consumo, ou o que, segundo alguns autores, são denominados de "ambientalização do consumo", no sentido de caracterizar as práticas de consumo que transcendem as ações individuais, na medida em que articulem preocupações privadas e questões públicas.
O consumo sustentável representa um salto qualitativo de complexa realização, na medida em que agrega um conjunto de características que articulam temas como equidade, ética, defesa do meio ambiente e cidadania, enfatizando a importância de práticas coletivas como norteadoras de um processo que, embora englobe os consumidores individuais, prioriza as ações na sua dimensão política. O grande desafio que se coloca é o da mudança na visão das políticas públicas, o que possibilitará desenvolver conceitos e estratégias de desenvolvimento que promovam efetiva redução de práticas pautadas pelo desperdício, pela superação de um paradigma que nos coloca cada vez mais numa encruzilhada quanto à capacidade de suporte do planeta, e da habilidade que a sociedade tem de buscar um equilíbrio entre o que se considera ecologicamente necessário, socialmente desejável e politicamente atingível ou possível.
O fortalecimento de estratégias de consumo sustentável terá mais sucesso na medida em que a implementação de políticas públicas integradas, que promovam a mudança para padrões mais sustentáveis, promova tanto a redução das enormes desigualdades como contemplem aspectos legais, econômicos, sociais e ambientais para influenciar de forma transversal nas políticas públicas. Os governos, tanto no nível nacional quanto sub-nacional, devem priorizar um conjunto de ações que na sua complexidade e interdependência avancem em direção à estruturação de um repertório de políticas públicas integradas que adotem tecnologias limpas, promovam campanhas de conscientização sobre os fatores que provocam a insustentabilidade ambiental, estimulem atividades não poluidoras e efetive a implementação de políticas sócio-ambientais urbanas, com ênfase na coleta seletiva, e estímulo à reciclagem e redução do desperdício nas atividades públicas e privadas.
Cabe ressaltar o importante papel que devem realizar as instituições da sociedade civil nesta direção de conscientizar sobre a importância do consumo ser cada vez mais sustentável, baseado numa lógica de co-responsabilização e adoção de práticas que orientem para um aumento permanente da informação aos cidadãos consumidores e o fortalecimento de sistemas de certificação.
Entende-se que falar de consumo sustentável ainda se situa num patamar da utopia. O objetivo mais desafiador é que uma opção pelo consumo sustentável, tanto nos países ricos como nos pobres, é de fortalecer as lutas para atender às necessidades do ser humano da melhor maneira possível, com um uso mínimo de recursos naturais, dentro dos limites ecológicos do planeta.
A questão que continua em aberto é associada aos compromissos possíveis, às concessões dos mais predatórios e ao desafio dos países pobres de implementar políticas sócio-ambientais que superem o círculo vicioso das polaridades tradicionais entre meio ambiente e desenvolvimento, nos países ricos e pobres.
Apesar dos estimulantes e importantes avanços de grupos sociais, e governos, em escala local e em alguns casos de países, o Consumo Sustentável continua fora das discussões mundiais e ainda não foi tratado na sua complexidade pela sociedade planetária. O que se argumenta é que este tema deve estar cada vez mais presente nos debates sobre Governança Global, e que o papel das sociedades é de consolidar instituições que formulem, promovam e disseminem práticas que transcendam a eco-eficiência e ampliem a compreensão dos cidadãos sobre os limites do planeta e suas responsabilidades para com os habitantes do futuro.